domingo, 26 de novembro de 2023

O que sobra


Príncipe Harry
Ed Objetiva - 512 páginas

"Willy e eu andamos entre as multidões em frente ao Palácio de Kensington, sorrindo, distribuindo apertos de mão. Como se estivéssemos concorrendo ao cargo de premiê. (...) Eu queria chorar (...) mas não conseguia derramar nenhuma gota. Talvez tivesse aprendido bem demais, assimilado muito profundamente, o éthos da família de que chorar não era uma opção - nunca." (página 33)

Ingênuo, engraçado, impulsivo, sonhador, lutador, carente, bom amigo, curioso, militar, apaixonado por causas sociais, romântico. Essas são algumas facetas do príncipe Henry (sim, esse é o nome dele, mas acabou ficando conhecido como Harry) que se destacam no livro, embora haja muitas outras.

O livro me surpreendeu: achei que seria maçante, contando detalhes do dia a dia burocrático da realeza, e me surpreendi com uma narrativa emotiva, sincera, cheia de detalhes e confissões, que vai desde a infância, quando perdeu a mãe (a princesa Diana) em um trágico acidente de carro, até a despedida da sua avó, a rainha mãe, que faleceu em 2022.

A vida do príncipe já daria várias temporadas para The Crown (Netflix): pensa em alguém que acampa no coração da África, se arrisca nos céus do Oriente Médio pilotando um helicóptero Apache, faz caridade, conhece grandes artistas, viaja para o Pólo Sul e Pólo Norte, se droga (mas não com a intensidade que os tablóides sempre destacaram), odeia paparazzis (e com razão!), se casa com uma celebridade norte-americana e vive nas capas de todos os jornais de onde vive? Pensa em alguém que tem tudo, mas não tem algo que o dinheiro e o status não compram? 

"Como é comum acontecer com o medo, o meu entrou em metástase. (...) Passei a temer estar perto de outros seres humanos. Mais do tudo, temia câmeras." (pág.282 - sobre sua vida em 2013)

Sim, ele não tem paz, nunca teve. E aí não é só aquela paz do dia a dia, de não ter que dar satisfação pra ninguém, mas a paz de espírito, que excede todo o entendimento e só Jesus pode dar. Religião, aliás, não é algo apreciado por ele, talvez por causa do exemplo ritualístico e desconectado da realidade que ele via na família.

"... embora não tivesse encontrado um terapeuta de que gostasse, apenas conversar com alguns abrira a minha mente para as possibilidades. (...) Outra coisa que pareceu funcionar foi a meditação. Rezar não fazia meu estilo, a Natureza continuava sendo minha divindade (...) Às vezes também pedia ajuda, embora nunca tivesse certeza sobre para quem estava pedindo. 
De vez em quando sentia a presença de uma resposta.
" (pág 318)

Sinceramente? Pra mim, segundo minha fé, Jesus era essa presença. Ele ouve os corações agoniados, tristes, decepcionados, perdidos.

Seu relacionamento com o pai e o irmão é o que mais me tocou: ele sempre amou - e venerou - esses 2! Porém, ao longo da vida, só recebeu pequenos gestos de afago do pai (que preferia deixar uma carta de elogio no travesseiro dele do que elogiar pessoalmente) e pouca cumplicidade do irmão (que começou a querer deixar claro a distância entre eles por ser o herdeiro principal e ele o "reserva").

Não vou entrar em mais detalhes pra não perder a graça da leitura que, aliás, flui maravilhosamente bem, você nem percebe que leu mais de 500 páginas!

Boa leitura!