sexta-feira, 25 de janeiro de 2019

Homens imprudentemente poéticos

Valter Hugo Mãe
Editora Globo - 192 páginas

"Estavam vivos e juntos. A felicidade poderia ser aquilo (...)
[ela] está na atenção a um detalhe. Como se o resto se ausentasse para admitir a força de um instante perfeito."
(página 56)

Quando li Hugo Mãe pela 1ª vez (a máquina de fazer espanhóis), tive aquele estranhamento inicial com a forma como ele escrevia: tudo em minúsculas e com pontuação reduzida ao ponto final. Isso logo passou, ao adentrar em sua trama sobre a velhice e morte.

Agora, o autor já usa as maiúsculas, mas ainda é econômico na pontuação. Não há interrogações ou exclamações, por exemplo.
Estamos no Japão antigo, na base de uma montanha frequentada por suicidas, e que possui 2 vizinhos que se odeiam: o artesão Itaro e o oleiro Saburo.

Saburo sofre uma perda e, para purgar seu destino, decide viver cultivando um lindo jardim. Itaro é um exímio artesão que pinta leques para sobreviver, afinal precisa sustentar também sua irmã cega (Matsu) e a criada que o auxilia nas tarefas domésticas e nos cuidados com a menina (Kame, a "mãe perto").

Ambos lutam com seus medos e, no processo, se ferem mutuamente e, de certa forma, também machucam quem está por perto.

Já Matsu se utiliza das palavras para existir, se encantar e encantar todos ao redor.

"... os meus brinquedos são as palavras. Persigo o encantamento de que são capazes." (pág 146)

A vida da menina também sofrerá um revés, mas aí deixo para o leitor descobrir qual é.

Como Laurentino Gomes diz em seu prefácio, esse é "um livro para ler devagar, sem pressa. E para reler muitas vezes."

Boa leitura!




sábado, 12 de janeiro de 2019

O homem de giz

C.J. Tudor
Ed Intrínseca - 272 páginas

"Há certas coisas na vida que se pode alterar - o peso, a aparência, até o próprio nome -, porém há outras que são imutáveis, independentemente da força de vontade, do esforço e do trabalho árduo. São estas coisas que nos moldam: não as que podemos mudar, mas as que não podemos." (página 46)

Essa é a obra de estreia de C.J Tudor e, posso dizer, que ela mandou bem ao criar uma trama macabra em torno de 5 crianças, mantendo o tom de suspense do começo ao fim.

Eddie Monstro é o narrador e é quem vai nos dizer o que se passou em 1986 em Anderbury, uma cidade inglesa bem pacata, e o que aconteceu 30 anos depois, quando o assunto em questão volta à tona.

Tudo começou quando um brinquedo do parque de diversões da feira local teve uma pane e machucou seriamente uma garota. Eddie, então com 12 anos, é chamado pelo novo professor (Sr Halloran) para ajudar a socorrê-la e o faz com sucesso. Tudo podia acabar por aí, mas esse episódio foi só o começo de uma série de desventuras e problemas para Eddie e seus quatro amigos, Mickey, Gav, Hoppo e Nicky (a única menina).  

"Acho que foi a primeira vez que compreendi como as coisas podem mudar de uma hora para outra. Como tudo o que temos por certo pode ser arrancado de nós." (pág.21)

É interessante ver como a autora consegue criar o ambiente e rotina dessas crianças: o parquinho, os passeios de bicicleta, as festinhas, os códigos secretos com giz, o relacionamento entre pais e filhos, tudo sincronizado no cotidiano delas, às vezes de forma cruel, mas real.

Mas, como elas ficaram 30 anos depois? 

"Ser adulto é apenas ilusão (...) Sob o verniz da idade adulta, sob as camadas de experiência que acumulamos à medida que os anos avançam estoicamente, ainda somos crianças (...) que precisam dos pais...e dos amigos." (pág.168)

Cada uma cresceu carregando suas marcas e segredos (muitos serão revelados ao longo da história e são surpreendentes!), e levaram suas vidas de forma simples, sem grandes ambições (ou quase).

Confesso que minha expectativa para esse livro era altíssima pois tinha lido várias críticas favoráveis. Então, posso dizer sem culpa alguma, que me decepcionei um pouco, pois apesar de fechar o livro de forma surpreendente, muitas pontas ficaram soltas, sem explicações.  Não que isso comprometa a obra como um todo, mas faltou uma explicaçãozinha aqui e acolá, sabe? Também senti certo desprezo sempre que aparecia algo relacionado à igreja, Deus e religião. Sabe um tipo de birra sem sentido? Algo desnecessário e pueril demais, até pra uma criança de 12 anos...

Mas, de um modo geral, é um livro interessante, que flui rápido (até pela grande quantidade de diálogos), mantém o clima de suspense até o fim e tem personagens carismáticos. Portanto, vale a pena a leitura!