terça-feira, 16 de novembro de 2010

O Estrangeiro

Albert Camus (1913-1960)
Editora Record - 126 páginas

"Desejava afirmar-lhe que eu era como todo mundo. Mas tudo isso, no fundo, não era de grande utilidade e deixei de lado por preguiça." (pág 70)

O jovem Mersault perde a mãe, que vivia há 3 anos num asilo, e não demonstra nenhum sentimento de dor no velório e no enterro. O calor, a viagem, o sol são fatores que o perturbam mais que a morte da mãe.

O fato não seria de todo relevante se, pouco tempo depois, ele não tivesse cometido um assassinato de um árabe, de modo frio e, aparentemente, premeditado.

Albert Camus mostra todo o pensamento do jovem que, até o fatídico dia do assassinato, curtia a nova namorada Marie, nadar no mar e comer no bar do amigo Céleste.

Então, ele se importava com algo, certo?

Na verdade, para Mersault, tanto fazia casar ou não; tanto fazia se a mãe estivesse viva num asilo há 80 Km ou estivesse morta; tanto fazia se o vizinho queria se vingar da namorada exploradora; tanto fazia que estivesse preso; tanto fazia se acreditassem nele ou não...

O existencialismo apregoado não dependia de destino, de Deus, de nada, mas do absurdo da vida e das coisas que acontecem.

Porém, o jovem age como que num torpor diante de tudo, até da prisão. A cena em que Marie o visita na prisão, separada por grades, é emblemática. Ele vê a tudo, a todos, ouve fragmentos e se perde divagando...

É uma obra forte, cujo final é um grito de socorro de alguém que não quis enxergar a beleza divina e preferiu viver cego num mundo tão lindo.

O livre arbítrio existe e nem todos tem sabedoria na escolha...

Boa leitura!

terça-feira, 2 de novembro de 2010

Leite Derramado

Chico Buarque
Companhia das Letras - 200 páginas

"...mas se com a idade a gente dá para repetir certas histórias, não é por demência senil, é porque certas histórias não param de acontecer em nós até o fim da vida." (página 184)

Imagine um senhor bem velhinho, com mais de 100 anos, debilitado numa cama de hospital, relembrando sua vida...É disso que se trata esse livro. Só que, como se trata de Chico, tudo ganha ares poéticos...até o estado de vida em que se encontra o pobre ancião.

Eulálio vem de uma família tradicional, que teve barão e senador na linhagem e, no decorrer da vida, foi perdendo tudo: sua jovem esposa Matilde, seus bens, sua casa, sua saúde...

As lembranças de Eulálio se transformam  num monólogo dirigido às enfermeiras que cuidam dele, à filha idosa e a quem quer que apareça por lá.

Ele vai e volta no tempo, intercalando passado e presente. Fala do tataravô e do tataraneto e, de repente, reclama de sua situação atual no hospital.

Matilde, a jovem esposa que o abandona após o nascimento da filha, é o tema recorrente dos bons e maus momentos da sua vida. A paixão avassaladora, o nascimento da filha, os passeios à praia, as danças da mulher, tudo ganha um tom saudosista na fala do querido personagem.

É interessante notar que tanto os pais/avós, como os netos/bisnetos herdam o nome Eulálio e, às vezes, dá até uma certa confusão em saber "quem é quem". Lembrou-me Cem Anos de Solidão, de Gabriel Garcia Marquez, que repete os nomes nos filhso/netos à exaustão!

O livro é belo, engraçado, reflexivo...uma leitura obrigatória, enfim!