domingo, 15 de dezembro de 2019

Fahrenheit 451

Ray Bradbury (1920-2012)
Editora Globo 

"Os bons escritores quase sempre tocam a vida. Os medíocres apenas passam a mão sobre ela. Os ruins a estupram e as deixam para as moscas. Entende agora por que os livros são odiados e temidos? Eles mostram os poros no rosto da vida." 
(página 108)

Esse livro foi publicado em 1953 e, ao lê-lo quase 70 anos depois, temos a impressão que foi escrito agora, na era da internet, com suas distrações para todas as idades.

Aqui temos uma sociedade que se distrai com grandes telões de TV nas paredes das casas, interagindo com os personagens como se fossem da família. Os livros foram banidos e, caso fossem encontrado na casa de alguém, eram queimados na própria casa pelos "bombeiros". Sim, bombeiros. Agora, o papel deles era acabar com cada livro que encontrasse e sempre recebiam denúncias para exterminar essa bobagem.

Guy Montag é um bombeiro de 30 anos, que "herdou" a profissão do pai e do avô e tem prazer em queimar livros:

"Era um prazer especial ver as coisas serem devoradas, ver as coisas serem enegrecidas e alteradas." (pág 21)

Ele é casado com Mildred e nem lembram mais como se conheceram. Para ela, o que importa é preencher as paredes com TVs enormes e acompanhar sua "família" na programação. Conchas acústicas especiais são colocadas em seus ouvidos para não perder nada; ela acompanha e sabe tudo. 

Montag, um dia, conversa brevemente com a nova vizinha adolescente, Clarisse, falante e questionadora. Vem de uma família que adora conversar entre si e ele a acha muito estranha, especialmente quando ela o questiona "Você é feliz?" 
Perturbado, percebeu que "não estava feliz" e, pra piorar, tem que enfrentar uma situação estressante com a esposa, assim que chega em casa. Cadê a leveza da vida daquela menina?

Então, a vida do bombeiro começa a mudar e, ao queimar uma casa com a moradora que não quis abandonar seus livros, percebe que ele pode estar errado, que a vida pode estar justamente naquilo que ele mata e extermina: nos livros.

Ele se recorda de um velho, Faber, e o procura na sua agonia. Cismado no começo, o velho percebe a sinceridade de Montag e o ajuda a entender muita coisa. Bolam um plano e, infelizmente, a experiência secreta deles é descoberta pelo enigmático chefe Beatty, que sempre zomba dos livros, argumentando com trechos e palavras dos próprios. 

Não dá pra falar mais, sem entregar o melhor do livro, mas a tensão na vida de Montag fica cada vez maior, até que ele precisa tomar uma atitude desesperada e tudo muda na vida dele e da esposa.

Esta é uma leitura que deveria ser obrigatória, não só pela reflexão que promove, mas pela atualidade em cada palavra.

Estamos vivendo, conversando, refletindo ou apenas nos divertindo nas redes sociais com nossos influenciadores favoritos? Olhamos nos olhos das pessoas ou apenas nos maravilhamos com os likes que estranhos nos dão num Twitter ou Instagram?

Boa leitura!

sexta-feira, 15 de novembro de 2019

Onde está Deus quando chega a dor?

Philip Yancey 
Editora Vida - 264 páginas

"Tudo muda no mundo de uma pessoa doente; ela precisa saber que sua amizade não mudou." (página 165)

Ganhei esse livro de uma super amiga no meu pior momento de dor esse ano: quando estava no meio de uma crise de artrite reumatoide, sem conseguir me mexer de tanta dor.
Ela, vendo meu sofrimento, não sabia mais o que fazer: um dia trazia bolachas com ingredientes anti-inflamatórios, em outro, algum tipo de artesanato e por aí afora. Mas, um dia ela trouxe esse livro, que só consegui ler recentemente, porque na época não conseguia segurá-lo. A dor não deixava.

E essa obra é maravilhosa: me enxerguei em cada linha, em cada questionamento, em cada grito de dor e em cada suspiro de esperança.

Ao falar da dor, o autor não só argumenta do por quê da existência da dor, como fala das diversas reações ao sofrimento e como enfrentar a dor. Por fim, fala da fé nesse processo todo: ela pode ajudar?

Yancey se debruçou sobre o assunto, ao conhecer e entrevistar pessoas que passaram - e que passam ainda - por dores terríveis, seja na alma, seja no corpo. Uma delas foi Joni Eareckson Tada, que ficou tetraplégica aos 17 anos depois de um mergulho na parte rasa do mar. Outra foi Brian Sternberg, um atleta de salto com vara que detinha o recorde mundial e caiu de uma altura de 3 metros, ficando igualmente tetraplégico. 
Duas histórias parecidas, mas com reações diferentes. Ambos sofreram muito com cirurgias e tratamentos, mas Joni seguiu a vida, virou pintora (sim, ela pinta quadros lindíssimos com a boca) e levou sua experiência de vida para diversos lugares como conferencista. "Depois de uma longa controvérsia com Deus, voltou-se para ele. Emergiu com força e maturidade espiritual capazes de inspirar milhões de pessoas.(...) ela "engradeceu" o sofrimento." (pág 127)
Brian, relutou em aceitar sua situação e, mesmo depois de mais de 20 anos, ainda acredita numa cura sobrenatural. "Ele apostou sua fé e praticamente sua teologia na esperança de cura."

O autor visitou também o leprosário de Carville, Louisiana, e entrevistou médicos e pacientes. Estes últimos, por não sentirem dor, acabam por perder partes do corpo em acidentes banais. A dor, aliás, mostra muitas vezes um alerta de que algo não está bem. Ela sinaliza o perigo que está próximo e aí vamos investigar para tratar. Quem não sente dor, não para pra ver e, nos relatos dos leprosos, muitos perderam membros com queimaduras, por exemplo, por não sentir o efeito do fogo no corpo.

O interessante é que cita a dor da artrite em várias situações, como algo que priva que o paciente de seus movimentos e ainda impõe um sofrimento terrível. Como portadora dessa doença, me vi em cada descrição e vi que não exagerou. Nas crises, a dor nos incapacita a fazer coisas banais, como escovar os dentes ou pentear os cabelos. 


"... não existe uma cura mágica para quem está sofrendo. Na verdade, é preciso amor, pois o amor instintivamente detecta o que é necessário." (página 156)

Na minha experiência foi exatamente assim: minha família e amigos não sabiam como agir, muitas vezes, mas como agiam com amor, sempre acertavam! Podia fazer uma lista de pessoas e situações, mas incentivo o leitor a pegar esse livro pra entender um pouquinho mais. Afinal, hoje podemos ajudar e consolar os que sofrem, amanhã pode ser a gente (como eu) que esteja nessa situação de vulnerabilidade e dor.

Boa leitura!


sexta-feira, 25 de outubro de 2019

Como fazer escolhas certas

Elizabeth George
Editora Hagnos - 208 páginas

"As escolhas sempre resultam em consequências."
(página 10)

Esse é um livro que traz várias dicas valiosas de comportamento, que realmente visam o que é certo e bom diante de Deus, ou seja, visam atitudes sábias.

A autora começa falando de alguns passos básicos: parar, esperar, buscar as Escrituras, orar, buscar conselho, tomar uma decisão e agir conforme o que se decidiu. 

Como aproveitar o dia? Como administrar o tempo? Por que deve alimentar meu coração? Como me fortalecer? Em que me espelhar? Por que não devo me preocupar? Como administrar minhas amizades? E as minhas palavras?

Ela foca no autoconhecimento e na importância de termos prioridades definidas pra agir, sempre sob a orientação de Deus.

"Andar pelo Espírito significa escolher viver cada momento em submissão a Deus.Andar pelo Espírito significa buscar agradar a Deus com os pensamentos que você escolhe ter. Andar pelo Espírito significa permitir que Deus guie cada passo do seu caminho. É permitir que Deus trabalhe em você e por seu intermédio para a glória do Senhor." (pág.94)

Além disso, não estamos prontos, temos muito que aprender sempre, sair da zona de conforto, ter metas, ter foco pra cumpri-las e seguir à risca um plano de ação!

"Confia no Senhor de todo o coração, e não no teu próprio entendimento. Reconhece-o em todos os teus caminhos, e ele endireitará tuas veredas." Provérbios 3:5,6

Bora buscar a Deus pra termos sabedoria em nossas escolhas?



sexta-feira, 11 de outubro de 2019

A outra face dos milagres

Luciano Subirá
Ed Orvalho - 96 páginas

"Escolhendo a presença, também ficamos com o que Deus faz; mas escolhendo somente aquilo que Ele faz, perdemos a sua presença." (página 25)

Muito oportuna e interessante a mensagem desse livro que não vê Deus como o amuleto, a quem se recorre quando se precisa de algo. Aliás, o livro já começa tocando nesse assunto:
"...sempre houve pessoas que vinham atrás de nós não porque estivessem interessadas em Deus, mas sim em resolver os seus próprios problemas." (pág 12) 

Temos uma geração que precisa aprender a temer e amar ao Senhor e não fazê-lo como um "resolvedor de encrencas", como a geração de Eli, que sofreu uma grande derrota por isso.
"É de pessoas como Jó que o reino de Deus necessita hoje -gente que aprenda a buscar a Deus pelo que Ele é, e não só pelo que Ele faz." (pág.17)

E pessoas como Davi, o "homem segundo o coração de Deus". Ele pecou, mas foi um adorador e colocava o Senhor à frente.

Além disso, o autor mostra que nem todos que vivem um milagre, conhecem os caminhos de Deus. Não enxergam, não agradecem, não adotam uma nova vida após essa experiência, tal qual o povo no deserto (Hebreus 3:7-10). Mas então, qual seria o propósito de tudo isso?

Não barganhamos com Deus, mas será que não estamos desprezando os milagres que ele tem feito? Será que estamos deixando de corresponder, como Ezequias (II Crônicas 32:24,25) ou o povo no deserto (Números 14:11,12)?

"A falta de arrependimento, quebrantamento e gratidão diante dos milagres é o que estamos chamando de não-correspondência." (pág 49)

Deus pode fazer coisas grandes, mas também pode se manisfestar no ordinário, como o sussurro da brisa para Elias (I Reis 19:11-13).
"O simples nos pertence, basta usufrui-lo." (pág. 63)

Temos de buscar alicerçar nosso compromisso com Deus, aliançados em Jesus para usufruirmos uma vida plena, seja ela repleta de milagres grandiosos ou simples.

Topa o desafio?

domingo, 18 de agosto de 2019

O pomar das almas perdidas

Nadifa Mohamed
Tordesilhas - 294 páginas

"tanto o perigo como o refúgio podem ser encontrados entre as pessoas." (pág. 271)

Gosto de obras que retratam mulheres, pois normalmente elas são fortes e não desistem fácil diante de qualquer situação. Essa obra conta a história de 3 mulheres, na Somália, em 1987, às vésperas de um grande conflito que já se desenrolava nos últimos anos.

Tudo começa num estádio na cidade de Hargeisa, na festa de aniversário da revolução de "Vinte e um de Outubro", que colocou uma ditadura militar no poder.
Kawsar é uma viúva de sessenta e poucos anos, que perdeu sua filha por causa desse caos político, mas mesmo assim ela vai para o estádio com suas amigas porque são obrigadas. Vão ficar sete horas com fome, sede e calor e não podem recusar o "convite".
Deqo é uma órfã de 9 anos, proveniente de um campo de refugiados, que vai dançar na festa e está feliz porque vai ganhar um par de sapatos. Ela e mais 9 crianças vão se apresentar para o general Haaruun e nada pode dar errado.
Filsan, uma jovem soldado, vai trabalhar duro para que tudo ocorra na mais perfeita ordem, apesar de ter ficado três dias sem dormir. 

A festa tem início: Deqo se atrapalha na dança e é cercada por soldados, que começam a bater nela. Kawsar vê lá de longe, se sensibiliza com a menina e vai a seu encontro acudir. É interrogada e presa por distúrbio público, enquanto Deqo foge e se esconde de todos.

A partir daí a vida das 3 seguem rumos duros, difíceis, por aproximadamente um ano até que o destino as coloca frente a frente de novo.

Não dá vontade de parar de ler e o final é de encher os olhos de lágrimas.
Boa leitura!

domingo, 30 de junho de 2019

Em busca de sentido

Viktor E. Frankl (1905 - 1997)
Editora Vozes

Ouso dizer que nada no mundo contribui tão efetivamente para a sobrevivência, mesmo nas piores condições, como saber que a vida da gente tem um sentido.Há muita sabedoria nas palavras de Nietzsche:"Quem tem por que viver suporta quase qualquer como." (página 129)

Estava para ler esse livro há algum tempo e, como estou me recuperando de uma cirurgia, resolvi botar em dia minha lista de leituras. Confesso que essa foi bem difícil, pois sempre que leio algum relato pessoal acerca dos campos de concentração da 2a Guerra, sofro junto com o autor. É difícil conceber que a maldade humana não tem limites, de forma gratuita.

Mas esse livro não traz apenas relatos da guerra a partir do ponto de vista do autor, que é um psicólogo judeu. Ele tem uma segunda parte que é sobre a "logoterapia", ou seja, na busca de sentido na vida da pessoa.
A partir daí, ele tenta resumir sua teoria de 11 volumes em cerca de 100 páginas, com vários exemplos, sejam de prisioneiros ou capatazes. Aliás, essas atribuições não significavam muita coisa, quando se falava em bondade. Havia colegas maus, que entregavam os que deveria defender e líderes da SS que mantinham sua humanidade. Podiam ser poucos e raros, mas existiam e ele dá alguns exemplos.

Enfim, é uma obra riquíssima, pesada, dura, cheia de relatos que, com certeza, vai fazer você refletir sobre seus problemas e sofrimentos, buscando uma nova perspectiva de sentido. 

Boa leitura!





sábado, 1 de junho de 2019

Sobre histórias

C.S.Lewis (1898-1963)
Thomas Nelson - 256 páginas

"... o significado de um livro é a série ou o sistema de emoções, reflexões e atitudes produzidas por sua leitura."(página 233)

Esse livro é uma coletânea de 20 ensaios com a temática voltada para a escrita, produção de textos, gostos diversos pela leitura e pelas diversas formas de se apreciar e criticar uma obra.
A maioria dos capítulos aborda obras e autores como se fossem conhecidos de todos. J.R.R.Tolkien (de O Senhor dos Anéis) e George Orwell (de 1984 e A Revolução dos Bichos) são nomes comumente conhecidos e a leitura desses textos é enriquecedora demais. O espanto que tive ao ler A Revolução dos Bichos no ginásio, parece ter sido o mesmo que Lewis teve: é uma "obra de gênio", pensei assim como ele. Como conseguimos ser os mesmos depois de ler autores desse porte? Impossível. São leituras que te mudam e arrebatam.
Porém, ao falar de autores menos conhecidos (pelo menos na nossa realidade atual) em alguns ensaios, a leitura se torna meio cansativa (mas nada que desmereça a obra como um todo).

Assim como Lewis, amo os contos de fadas, e por isso me encantei com as Crônicas de Nárnia, as quais li e reli algumas vezes (aliás, preciso reler de novo!).
"O homem literário relê, outros homens simplesmente leem." (pág. 201)

Queria ter disposição para reler mais... quanto livro que amei e só li uma vez?

Por fim, um dos capítulos mais interessantes fala de como surgiu a ideia de escrever O leão, a feiticeira e guarda-roupa:
"... começou com a imagem de um Fauno carregando um guarda-chuva e de um pacote em uma floresta nevada (...) Além disso, não sei de onde nem porque veio o Leão ou por que ele veio. Mas, já que estava lá, Ele cooperou com a história toda, e logo puxou as outras seis histórias de Nárnia depois de Si." (pág 101)
Essa imagem surgiu ao 16 anos, mas ele só veio a escrever a obra quando já estava na casa dos 40.

"... um homem que escreve uma história está empolgado demais com a história em si para relaxar e perceber como está fazendo isso (...) Não acredito que alguém saiba exatamente como 'se inventa coisas'" (páginas 101 e 102)

O fato é que ele inventou uma das minhas obras favoritas. Não fui mais a mesma depois de ler Nárnia na minha infância.

Boa leitura!

Obs
Outras obras que li e amei: Cristianismo puro e simples e Cartas de um diabo a seu aprendiz.

sábado, 20 de abril de 2019

A última noite do mundo

C.S Lewis (1898-1963)
Thomas Nelson - 144 páginas

"Quanto mais altas as pretensões do poder, mais intrometido, desumano e opressivo ele será." (página 53)

Aprendi a amar C.S Lewis na minha adolescência com a leitura de O leão, a feiticeira e o guarda-roupa. Li e reli várias vezes desde então não só ele, mas todos os 7 volumes da obra.

A última noite do mundo reúne 7 ensaios escritos entre 1952 e 1959, sendo que um deles leva o nome do livro, e aborda temas diversos: oração, crenças, obras, cultura, religião, política, redenção, fins dos tempos.

Aqui também temos um capítulo em que um demônio dá dicas de tentação para os jovens capetinhas. Sai o tio Fitafuso (de Cartas de um diabo a seu aprendiz) e entra Maldanado, com a manipulação em torno do "eu sou tão bom quanto você" no meio político e educacional. Neste último, aliás, ao tentar igualar todos no mesmo nível, acabamos perdendo grandes talentos que precisam acompanhar o ritmo da "turma", sem ter espaço para crescer e evoluir.  
As "diferenças precisam ser disfarçadas, (...) assim, o aluno mais inteligente permanecerá democraticamente acorrentado a seus colegas da mesma idade por toda a sua carreira escolar, e um menino capaz de compreender Ésquilo ou Dante será obrigado a ficar sentado, ouvindo seus contemporâneos tentando soletrar Vovô viu a uva." (pags 81 e 82)

Humor e ironia andam lado a lado, sempre com bom senso e lucidez.

Em "Religião e foguetes", ele abre espaço para suposições acerca do universo: estamos sós? Existem outros animais (racionais ou não)? Eles também precisam de redenção?

Por fim, em "A última noite do mundo", ele fala sobre a necessidade de estarmos preparados para a 2a vinda de Jesus:
"... o que a morte é para cada homem, a Segunda Vinda é para toda a raça humana." (pág 131)

Se o alerta valia no século passado, imagine agora?

Boa leitura!

  p.s. li também e indico: Cristianismo puro e simples e Oração:cartas a Malcolm.


domingo, 24 de fevereiro de 2019

O livro dos abraços

Eduardo Galeano (1940-2015)
L&PM Pocket - 272 páginas

"A identidade não é uma peça de museu, quietinha na vitrine, mas a sempre assombrosa síntese das contradições nossas de cada dia." (página 123)

Esse livro é fruto de uma vida no exílio. No caso, o uruguaio  Galeano se exilou na Argentina e na Espanha, por causa da ditadura militar em seu país de origem.

As breves crônicas contam "causos", historietas, sonhos e pesadelos de um momento difícil que ele viveu, presenciou, escutou ou soube por alguém. São micromomentos que nos calam ou nos fazem sorrir; que provocam repulsa ou geram uma luzinha de esperança.

"Diego não conhecia o mar (...) E foi tanta a imensidão do mar, e tanto o seu fulgor, que o menino ficou mudo de beleza. E quando finalmente conseguiu falar, tremendo, gaguejando, pediu ao pai: Me ajuda a olhar!" (pág 15)

"O bisavô é feliz porque perdeu a memória que tinha. O bisneto é feliz porque não tem ainda nenhuma memória. Eis aqui, penso, a felicidade perfeita. Não a quero." (pág.109)

"Eu não quero desconfiar dos aplausos." (pág.174)

As memórias falam de outros nomes conhecidos, como Neruda, Nelson Rodrigues, Darcy Ribeiro e o poeta Juan Gelman, por exemplo, em situações que podem ou não ser verdadeiras em sua totalidade. O resultado é de dar um nó na garganta e querer abraçar alguém só pra dizer: "tá tudo bem, agora."

Esse é um livro que cresce, em cada etapa da leitura.
Como o autor mesmo disse: "O livro cresceu tanto dentro dela que agora é outro, agora é dela." (pág.20)

Boa leitura!

sexta-feira, 25 de janeiro de 2019

Homens imprudentemente poéticos

Valter Hugo Mãe
Editora Globo - 192 páginas

"Estavam vivos e juntos. A felicidade poderia ser aquilo (...)
[ela] está na atenção a um detalhe. Como se o resto se ausentasse para admitir a força de um instante perfeito."
(página 56)

Quando li Hugo Mãe pela 1ª vez (a máquina de fazer espanhóis), tive aquele estranhamento inicial com a forma como ele escrevia: tudo em minúsculas e com pontuação reduzida ao ponto final. Isso logo passou, ao adentrar em sua trama sobre a velhice e morte.

Agora, o autor já usa as maiúsculas, mas ainda é econômico na pontuação. Não há interrogações ou exclamações, por exemplo.
Estamos no Japão antigo, na base de uma montanha frequentada por suicidas, e que possui 2 vizinhos que se odeiam: o artesão Itaro e o oleiro Saburo.

Saburo sofre uma perda e, para purgar seu destino, decide viver cultivando um lindo jardim. Itaro é um exímio artesão que pinta leques para sobreviver, afinal precisa sustentar também sua irmã cega (Matsu) e a criada que o auxilia nas tarefas domésticas e nos cuidados com a menina (Kame, a "mãe perto").

Ambos lutam com seus medos e, no processo, se ferem mutuamente e, de certa forma, também machucam quem está por perto.

Já Matsu se utiliza das palavras para existir, se encantar e encantar todos ao redor.

"... os meus brinquedos são as palavras. Persigo o encantamento de que são capazes." (pág 146)

A vida da menina também sofrerá um revés, mas aí deixo para o leitor descobrir qual é.

Como Laurentino Gomes diz em seu prefácio, esse é "um livro para ler devagar, sem pressa. E para reler muitas vezes."

Boa leitura!




sábado, 12 de janeiro de 2019

O homem de giz

C.J. Tudor
Ed Intrínseca - 272 páginas

"Há certas coisas na vida que se pode alterar - o peso, a aparência, até o próprio nome -, porém há outras que são imutáveis, independentemente da força de vontade, do esforço e do trabalho árduo. São estas coisas que nos moldam: não as que podemos mudar, mas as que não podemos." (página 46)

Essa é a obra de estreia de C.J Tudor e, posso dizer, que ela mandou bem ao criar uma trama macabra em torno de 5 crianças, mantendo o tom de suspense do começo ao fim.

Eddie Monstro é o narrador e é quem vai nos dizer o que se passou em 1986 em Anderbury, uma cidade inglesa bem pacata, e o que aconteceu 30 anos depois, quando o assunto em questão volta à tona.

Tudo começou quando um brinquedo do parque de diversões da feira local teve uma pane e machucou seriamente uma garota. Eddie, então com 12 anos, é chamado pelo novo professor (Sr Halloran) para ajudar a socorrê-la e o faz com sucesso. Tudo podia acabar por aí, mas esse episódio foi só o começo de uma série de desventuras e problemas para Eddie e seus quatro amigos, Mickey, Gav, Hoppo e Nicky (a única menina).  

"Acho que foi a primeira vez que compreendi como as coisas podem mudar de uma hora para outra. Como tudo o que temos por certo pode ser arrancado de nós." (pág.21)

É interessante ver como a autora consegue criar o ambiente e rotina dessas crianças: o parquinho, os passeios de bicicleta, as festinhas, os códigos secretos com giz, o relacionamento entre pais e filhos, tudo sincronizado no cotidiano delas, às vezes de forma cruel, mas real.

Mas, como elas ficaram 30 anos depois? 

"Ser adulto é apenas ilusão (...) Sob o verniz da idade adulta, sob as camadas de experiência que acumulamos à medida que os anos avançam estoicamente, ainda somos crianças (...) que precisam dos pais...e dos amigos." (pág.168)

Cada uma cresceu carregando suas marcas e segredos (muitos serão revelados ao longo da história e são surpreendentes!), e levaram suas vidas de forma simples, sem grandes ambições (ou quase).

Confesso que minha expectativa para esse livro era altíssima pois tinha lido várias críticas favoráveis. Então, posso dizer sem culpa alguma, que me decepcionei um pouco, pois apesar de fechar o livro de forma surpreendente, muitas pontas ficaram soltas, sem explicações.  Não que isso comprometa a obra como um todo, mas faltou uma explicaçãozinha aqui e acolá, sabe? Também senti certo desprezo sempre que aparecia algo relacionado à igreja, Deus e religião. Sabe um tipo de birra sem sentido? Algo desnecessário e pueril demais, até pra uma criança de 12 anos...

Mas, de um modo geral, é um livro interessante, que flui rápido (até pela grande quantidade de diálogos), mantém o clima de suspense até o fim e tem personagens carismáticos. Portanto, vale a pena a leitura!