sexta-feira, 15 de abril de 2022

Torto arado


Itamar Vieira Júnior
Ed Todavia - 264 páginas

"Atravessei o tempo como se caminhasse sobre as águas de um rio bravo. A luta era desigual e o preço foi carregar a derrota dos sonhos, muitas vezes." (página 212)

Bibiana e Belonísia são duas irmãs que, a partir de um trágico acidente, se tornam mais próximas, "quase siamesas".

Descendentes de escravos, filhas de trabalhadores rurais numa grande fazenda do sertão baiano, elas crescem juntas, dividindo as alegrias e dores da infância e adolescência.

Filhas de Zeca Chapéu Grande, o curandeiro que incorpora entidades e faz encantamentos, e dona Salustiana, as meninas aprenderam o que a ganância dos ricos faz quando os pobres "incomodam". E esse "incomodar" significa apenas que acordaram para exigir seus direitos.

A trama se desenrola numa prosa gostosa de se ler. O autor nos leva pela mão para caminhar em chãos áridos de Água Negra, a sofrer com a dureza da vida daquele povo e a torcer por um futuro melhor.

Enfim, estamos diante de uma obra de arte que deve ser degustada, apesar de momentos amargos e dolorosos, e aplaudida por sua beleza.

Boa leitura!


quarta-feira, 13 de abril de 2022

Tudo é rio

 

Carla Madeira
Ed Record - 210 páginas


"... e o amor? O que é senão um monte de gostar? Gostar de falar, gostar de tocar, gostar de cheirar, gostar de ouvir, gostar de olhar. Gostar de se abandonar no outro. O amor não passa de um gostar de muitos verbos ao mesmo tempo."
(página 19)

Essa é a história de amor - e desamor - de Dalva e Venâncio. E também de Lucy, a famosa prostituta da região.

A vida podia ser simples e seguir o rumo do rio, mas as adversidades existem - ou porque procuramos ou porque aparecem espontaneamente - e trazem suas lutas e consequências.

Dalva foi criada cercada de muito amor, alegria e cantoria. No seu casamento o vestido trazia bordado os nomes do todos que eram importantes para ela, aliás, cada um teceu ali o seu afeto e carinho. Já Venâncio, teve uma infância difícil com o pai, aprendeu a arte da marcenaria e teve que lidar com seu ciúme excessivo na base da dor e sofrimento.

Lucy, por sua vez, ficou órfã cedo e foi morar com os tios, onde se viu preterida no amor da tia, encontrando na sedução dos homens a sua alegria e desafio de vida.

Um dia, o destino uniu esse trio e a autora conseguiu transformar em poesia cada detalhe da trama, mesmo quando a vida se mostrou dura e cruel.

Nem tudo são flores e, pessoalmente, fiquei muito chocada numa parte decisiva da história (aliás, mudaria facinho esse trecho, sem prejudicar o rumo da coisa), mas apesar de tudo, ela soube conduzir e superar as tragédias com maestria e sensibilidade.

"Os lábios dele tocaram de leve nos lábios dela, como o pouso de mil borboletas brancas. Tomaram uma distância miúda, quase invisível, e se encostaram de novo, um vai e vem sereno embalou os dois aumentando aos poucos a vontade de demorar ali (...) É para coisas assim que nascemos. Quem para o tempo nesse sentir sai diferente. Muda. Conhece a força de existir." (pág 87)

A leitura flui fácil e, quando você vê, leu mais da metade de uma vez só.

Boa leitura!