sábado, 28 de setembro de 2013

Cartas de um diabo a seu aprendiz

C.S.Lewis (1898-1963)
Martins Fontes - 202 páginas

"Há dois erros semelhantes mas opostos que os seres humanos podem cometer quanto aos demônios. Um é não acreditar em sua existência. O outro é acreditar que eles existem e sentir um interesse excessivo e pouco saudável por eles." (página IX)

Conheci C.S. Lewis na minha adolescência, lendo um dos livros das Crônicas de Nárnia: O leão, a feiticeira e o guarda-roupas e foi paixão à primeira vista. Li e reli várias vezes desde então.

Amigo de J.R.R.Tolkien, esse irlandês foi ateu durante muito tempo até se converter em 1929. A partir daí, escreveu grandes obras, reconhecidas mundialmente, com alegorias cristãs, de forma lúcida, brilhante e bem-humorada.

Essa obra, em especial, seria cômica, se não fosse trágica. Usando de muita ironia, o autor mostra como o diabo usa artimanhas para nos desviar do Caminho: tio Fitafuso é um diabo que escreve cartas para seu sobrinho Vermebile com dicas de como ele deve agir para fazer tropeçar o rapaz de quem é responsável:

"Faça com ele seus pensamentos flutuem (...), esforce-se para alcançar a decepção (...) fortaleça o hábito da irritação mútua (...)" (pág.7)

Procure "solapar a fé e evitar a formação de virtudes" (pág 22).
"...queremos um homem atormentado pelo Futuro..." (pág. 76).

Estimule "o medo apavorante e o excesso de confiança..." (pág.73)

Impossível não se reconhecer em comportamentos indesejados que, sem querer, alimentamos em situações de estresse ou pressão, e justificamos como "exceções", resultantes do cansaço e da vida corrida.

Mas tio Fitafuso tem paciência em desvirtuar seus pupilos e explica isso ao seu sobrinho:

"...o caminho mais rápido para o Inferno é aquele que é gradual..." (pág. 60)

" [faça-o] percorrer toda a vizinhança em busca da igreja que "combina" com ele, até que ele se transforme num degustador, num connoiser de igrejas." (pág. 79)

Se você tem mais explicações para seus "pequenos pecados" do que há algum tempo, pode ser que esteja dando ouvidos aos Vermebiles da vida. Ainda bem que dá tempo de mudar.

Excelente leitura!

sexta-feira, 27 de setembro de 2013

Trilogia da Paixão

Johann W. Goethe (1749-1832)
L&PM Pocket - 139 páginas

"Quão ligeiro a bater de asas do dia,
Parecendo os minutos a empurrar!
Fiel selar da noite, um beijo iria
No sol vindouro assim querer ficar.
As horas transcorriam tão normais
E meigas como irmãs, mas nunca iguais"
(Página 15, in Elegia)

A trilogia é composta por "A Werther" (escrita sob encomenda para celebrar o cinquentenário de Os sofrimentos do jovem Werther), "Elegia" (escrita em setembro de 1823 para Ulrike de 17 anos, tendo o poeta 74) e por "Reconciliação (escrita em agosto de 1823 para a pianista polonesa Maria Szymanovska).

Das 3, "Elegia" é a mais conhecida e perfeita: tem 23 estrofes de 6 versos com estrutura coesa e é, segundo Leonardo Fróes, "um dos espasmos mais trágicos da poesia confessional de Goethe" (página 35). A poesia foi escrita após a jovem Ulrike recusar seu pedido de casamento : nela, Goethe exalta a beleza da amada, compara seus sentimentos com a grandeza da natureza, relembra a doçura dos beijos (reais?) trocados:

"Como por mim à porta ela aguardava
E felizardo aos poucos me fazia,
Após o último beijo me alcançava
E ainda mais um nos lábios imprimia,
Assim, movente e clara, e efígie amada
No coração a fogo está gravada" (página 19)

E chora:

"Só me resta um remédio, o choro infindo." (Página 23)

Trata-se de uma edição bilíngue, com comentários de Leonardo Fróes.

Recomendo a leitura!

domingo, 8 de setembro de 2013

Sonetos para amar o amor

Luís Vaz de Camões (1524-1580)
L&PM Pocket - 82 páginas

"Se nela está minha alma transformada
Que mais deseja o corpo alcançar?" (página 16)

Quando estava no colegial, meu professor de literatura nos fez decorar os primeiros versos dos Lusíadas (*) e peguei certa birra por Camões.

Mas essa birra passou ao conhecer o famoso soneto:


"Amor é um fogo que arde sem se ver;
É ferida que dói e não se sente;
É um contentamento descontente;
É dor que desatina sem doer;

É um não querer mais que bem querer;
É solitário andar por entre a gente;
É um não contentar-se de contente;
É cuidar que se ganha em se perder;

É um estar-se preso por vontade;
É servir a quem vence o vencedor;
É um ter com quem nos mata lealdade.

Mas como causar pode seu favor
Nos mortais corações conformidade,
Sendo a si tão contrário o mesmo Amor
?" (pág 53)



Nos diversos sonetos selecionados para esta obra, Camões canta o amor e suas impossibilidades; a proximidade e a distância.

"De amor escrevo, de amor trato e vivo;
De amor me nasce amar sem ser amado (...)" (pág 71)

Canta também a dor: ele perdeu sua amada Dinamene em um naufrágio e fez um soneto comovente para ela.

Vale a pena a leitura!


(*)

As armas e os barões assinalados
Que da Ocidental praia Lusitana,
Por mares nunca dantes navegados
Passaram ainda além da Taprobana,
Em perigos e guerras esforçados
Mais do que prometia a força humana
E entre gente remota edificaram
Novo Reino, que tanto sublimaram;

E também as memórias gloriosas
Daqueles Reis que foram dilatando
A Fé, o Império, e as terras viciosas
De África e de Ásia andaram devastando,
E aqueles que por obras valerosas
Se vão da lei da Morte libertando
Cantando espalharei por toda a parte

Se a tanto me ajudar o
engenho e arte.

Os Lusíadas (1572)
Canto I, 1-2
Obs: e ainda sei tudo isso de cor até hoje!